UMA DECISÃO COLETIVA
Minuta
– II Encontro Internacional de Parteiras Tradicionais no Amapá
“Carta
do Amapá”
“(...)
com suas rezas, ervas caseiras... E a missão verdadeira de ajudar os seus... São
as “mães Luzias” no meio do mundo...”. Joãozinho
Gomes e Val Milhomem.
O
Estado do Amapá, situado à margem esquerda do rio Amazonas, cortado pela linha
do Equador, onde somos privilegiados pelo fenômeno do equinócio. Nossa maior
riqueza está no nosso povo, nos homens e mulheres, filhos descendentes de raça
guerreira, descendentes de parteiras, caboclos e “sumanos”, negros, índios,
ribeirinhos, castanheiros, da pujança de sua juventude, trabalhadores,
empresários, de brasileiros e estrangeiros que buscam e fazem deste solo a sua
morada e juntos arduamente constroem um estado para se viver melhor.
É
neste cenário místico pela exuberância majestosa da riqueza florestal e humana
que ocorreu o II Encontro Internacional de Parteiras Tradicionais no Amapá:
memória, identidade e inclusão social, no sentido de expressar o reconhecimento
do Amapá à sabedoria da experiência do modo de cuidar das parteiras
tradicionais.
O principal
objetivo foi estabelecer um diálogo entre diferentes saberes, experiências e
modos de cuidar, dando voz a essas mulheres e homens, cujo saber legítimo é
invisibilizado pela hegemonia do saber técnico, é resgatar o momento importante
de valorização das parteiras tradicionais existentes desde os primórdios da
humanidade.
Vale
o registro e destacar que foi na década de 90 que o poder público brasileiro,
especificamente no Amapá, definiu suas políticas públicas e optou em colocar as
parteiras como prioridades na definição das políticas.
Este
momento tem como propósito o fomento da discussão referente à memória,
identidade e inclusão social. Compreendemos nesse sentido, o encontro promoveu
a valorização dos saberes, entrelaçando a vivencia das parteiras reunidas, os
relatos de suas histórias de vida, dialogando com a ciência e saberes
institucional como questões de ordem.
Na
expressão da memória, identidade e inclusão social, nós parteiras reunidas
apresentamos nosso manifesto com as seguintes referencia e proposições:
Memória, Identidade Cultural e Inclusão
Social - No propósito da compreensão da importância das parteiras
tradicionais, seja indígena, quilombola, ribeirinha, em suas localidades
distribuídas em todo o território nacional e internacional, sugerem o seu
reconhecimento, garantindo o respeito às suas práticas.
1
- Pela atuação efetiva que exercem ao longo dos anos, a garantia da valorização
de suas práticas fortalecendo sua atuação propriamente dita, bem como a implementação
de políticas públicas que apóie o trabalho das parteiras tradicionais:
a) Ter o reconhecimento da importância e do
papel das parteiras tradicionais, extrapolando o imaginário popular. Deve-se criar
e/ou fazer legislação e normas que expressem o reconhecimento no campo de “bem cultural
imaterial”, do ato de partejar, de suas crenças, ritos e o uso das ervas, como
também, no direito de exercer sua função com qualidade, competência, sem
discriminação, de ser remunerada, com direito a aposentadoria e do exercício
pleno da cidadania.
b) Consolidar a valorização das parteiras
tradicionais na questão financeira, com valores justos e permanentes, tão
importantes para sua sobrevivência e custeio de suas necessidades essenciais e
básicas. Tal remuneração já se aplica (bolsas auxílios, fundos e salários da
prestação de serviços temporários, como exemplo os agentes de saúde). Porém,
não são consolidadas, sistêmica e permanente, que muitas vezes por sua
vulnerabilidade ficam a mercê de vaidades políticas de gestores e penalizam as
parteiras tradicionais, que independente desse reconhecimento continua praticando
o oficio.
2
- Garantia de apoio das três esferas governamentais (Federal, Estadual e Municipal)
e da sociedade como um todo, com o intuito de assegurar o exercício e a atuação,
oportunizando as condições necessárias, sem discriminação para o exercício de parteira
tradicional:
a) -
Faz-se necessário dar condições para o deslocamento para que as parteiras tradicionais
possam atender as gestantes, levando em consideração e respeitada as
especificidades dos locais e dos meios de condução – via fluvial, terrestres e
aéreas. Uma das ações mais urgente que pode contribuir para a melhoria do
acesso seria da constituição do “passe livre” para as parteiras tradicionais no
âmbito municipal e estadual.
b) -
A construção reforma ampliação e estruturação da “Casa de Parto” deve ser uma
política pública obrigatória e de prioridade para os governos municipal, estadual
e Federal. Por ser o ambiente ideal, garantida e respeitada à escolha e
condições da gestante, para que se possa universalizar o atendimento em tempo
integral, a valorização, o respeito e o direito da cidadã pelo parto natural. Deixando
claramente que “Casa de Parto” não é “Posto de Saúde”.
c) -
A realidade Amazônica de baixa densidade demográfica e isolamento territorial
necessitam que seja feito investimentos em comunicação, seja na implantação de
sistema de rádios transmissores nas comunidades tradicionais distantes dos
centros, como também, em telefonia e internet. Ferramentas essenciais e
necessárias para a comunicação e o diálogo entre as pessoas e povos.
d) -
Os municípios devem implementar as políticas do Sistema Único de Saúde – SUS,
no que tange a reposição de equipamentos e materiais necessários para o
desempenho da função. Necessário dizer da importância do cadastro, da carteira
de identificação das parteiras e o processo continuo de notificação dos
eventos, dos partos, nascimentos e outros co-relacionados. Vale salientar da
importância da integração e interação entre os agentes de saúde – médicos,
enfermeiros, auxiliares e as parteiras tradicionais, visando eliminar atos de
discriminação e fortalecer o processo de inclusão social e cidadania.
3 – Com o intuito de assegurar o
patrimônio imaterial e material, a construção de um centro de referência nas
localidades de atuação das parteiras tradicionais, espaços estes que,
sobretudo, agregará todo esse material, que constitui a manutenção dessa
identidade, a valorização e a memória desse grupo social. Assim:
a - Criação
de um espaço de referência para as parteiras nas cidades sedes dos municípios
com a finalidade de promover a organização social, formação, congregação de
acolhimento e convívio e de promoção e difusão de informações sociais,
culturais e políticas das parteiras.
b -
Incorporar nas políticas de saúde dos municípios e do estado, um programa de
atendimento para as parteiras tradicionais para que possam estar em condições
saudáveis para o exercício do ato de partejar, buscando agir de forma
preventiva e/ou no monitoramento e controle da saúde, oportunizando serviços
médicos, psicológicos e terapêuticos.
4 – Com o propósito de garantir um
aprendizado continuo, sugerem a melhoria das capacitações para as parteiras
tradicionais, bem como assegurar esses saberes, sugerindo treinamentos sobre as
ervas medicinais mais utilizadas pelas parteiras, para que possam se perpetuar
para gerações futuras:
a -
Promover uma política de formação continuada das parteiras tradicionais, seja
nas atualizações sobre novas tecnologias (técnicas, utensílios, e equipamentos)
para o ato de partejar, como também, na promoção da formação integral da cidadã e do cidadão, desde a
alfabetização, elevação do nível de escolaridade, assim como, em organização social e política. Vale salientar
que na organização e execução da política de formação continuada, sejam
respeitadas as etnias e suas línguas maternas.
“Juntas Somos Fortes!” A
organização social é o melhor caminho para lutas e conquistas. A constituição
de associação, redes, federações, são urgentes e necessárias para que se
universalizem as bandeiras de lutas, a coalizão e conquistas – direitos,
valorização, respeito e reconhecimento.
Muito tem sido as lutas, e o
acumulo de vitórias, derrotas, avanços e estagnação, mais o importante dessa
trajetória é a perseverança da vontade de união. Mais uma vez, nossa força e
vontade se encontraram, a partir da decisão de nos unirmos, erguemos nossa
luta, a luta pela continuidade, pela busca pelo daquilo que nos é de direito, é
um caminho sem volta.
A sociedade toma
conhecimento mais uma vez de nossa coalização e coesão. Sob as bênçãos de todas
as “mães luzias”, as parteiras tradicionais aqui presentes fazem ecoar pelo
Amapá, pelas as regiões brasileiras, pelos países e o planeta, os anseios e
lutas dos participantes forjados no II Encontro Internacional das Parteiras
Tradicionais no Amapá – Memória, Identidade e Inclusão Social”.
Macapá
– AP, 26 de maio de 2012.
“... É fácil o meu endereço, vai lá
quando o sol se pôr, na esquina do rio mais belo com a linha do
equador” Zé Miguel.
ARQUIVO: POSTAGEM/PROFESSOR PESQUISADOR: NONNATO RIBEIRO
MATERIAL: II ENCONTRO INTERNACIONAL DAS PARTEIRAS DA FLORESTA
LOCAL: CETA ECOTEL/MACAPÁ-AMAPÁ
MAIO DE 2012