Páginas

sexta-feira, 13 de abril de 2012


Mãe Luzia foi uma mulher surpreendente. Descentes de escravos, ela torou-se a mãe de várias gerações de moradores de Macapá. Suas mãos de parteira tradicional receberam, para a vida, mulheres de crianças nascidas no período que vai do início da Intendência de Macapá aos anos iniciais do Território do Amapá. Seu nome cristão era FRANCISCA LUZIA DA SILVA. Nasceu em MACAPÁ em 09 de janeiro de 1854 e, faleceu em Macapá, aos 100 anos, em 24 de setembro de 1954.
O titulo de “MÃE LUZIA” foi lhe dado pelo CORONEL CORIOLANO JUCÁ, intendente (espécie de PREFEITO) de Macapá em 1895, que a convidou para trabalhar como parteira, com remuneração de um salário, da Intendência de Macapá.
Também lavadeira, Mãe Luzia passava boa parte do dia curvada sobre a TINA DE ÁGUA, nos CORADOUROS (ESPÉCIES DE VARAIS FEITOS DE TALAS, onde eram colocadas as roupas, após lavadas, para serem “coradas” pelo SOL EQUATORIAL), manipulando, com maestrias, os pesados ferros de engomar que funcionavam pelas brasas de CARVÃO. Morava no “FORMIGUEIRO”, localizado atrás da Igreja de São José, e sempre foi visitada pelas autoridades do Amapá, em busca de conselhos, entre elas o próprio GVERNADOR JANARY NUNES.
Quando lavava as roupas, Mãe Luzia costumava sentar à moda de seus ancestrais, às vezes com os seios expostos, porque um “filho de parto” sempre lhe pedia o peito (seio). Ao receber uma autoridade local, vestia uma bata branca, sempre bem engomada.
Foi casada com FRANCISCO SECUNDINO DA SILVA, um jovem também filho de escravos, que por força política de Mãe Luzia chegou aos postos de comandante da GUARDA NACIONAL e VEREADOR DE MACAPÁ. Ao falecer em 1954, seu sepultamento antecedeu um grande cortejo popular pelas principais ruas da cidade, seguido de um luto de três dias nas repartições públicas.
Mãe Luzia inspirou artistas de todas as áreas, que em versos e telas eternizaram sua coragem e dedicação. Entre eles, o de Álvaro da Cunha.
Texto: Edgar Rodrigues



Mãe Luzia

Velha, enrugada, cabelos d´algodão
Fim de existência atribuída, cuja
Apoteose é um rol de roupa suja
E a aspereza das barras de sabão.
Mãe Luzia! Mãe Preta! Um coração
Que através dos milagres de ternura
Da mais rudimentar puericultura
Foi o primeiro doutor da região.

Quantas vezes, à luz da lamparina,
Na pobreza do catre ou da esteira,
Os braços rebentando de canseira,
Mãe Luzia era toda a medicina.

Na quietude humílima do rosto
Sulcado de veredas tortuosas,
Há um clamor profundo de desgosto
E o silêncio das vidas dolorosas.

Oh, brônzea estátua da maternidade.
Ao te encontrar curvada e seminua,
Vejo o folclore antigo da cidade
Na paisagem ancestral na minha rua.
                                                                                                     (Álvaro da Cunha)

Nenhum comentário:

Postar um comentário